sexta-feira

SENHORA TRÊS CÔCOS


Morava lá, ao pé da serra do Rola moça, no bairro Casa Branca de Ibirité. Ainda não tinha energia elétrica, nem ônibus, nem nada além de nós e as cobras. Eis que me apareceram membros de uma família para realmente serem meus vizinhos. E, junto, veio a mãe de família Senhora Honorica Três Côcos.
Honorica é seu nome, Três Côcos é o apelido que lhe arranjei de gozação. A personagem trata-se de pessoa alegre, confortada, estrovertida, dessas que grita o “vale seis” na hora do truco; língua solta, etc.

Anoiteceu rapidamente no primeiro dia em que ela, esposo e seu irmão vieram montar um barracão provisório, de madeira no loteamento novo ao lado da minha casa. Após um bate-papo, para que nenhum transuente roubasse suas coisas, ficou acertado que eu lhe emprestaria o Peposo, meu cão vira-lata barulhento. Assim fiz, amarrei o cão no lote, próximo ao barracão. A senhora e o seu pessoal foram embora. No outro dia, à noite, com o barracão já pronto, iam dormir nele pela primeira vez. Veio então a cisma natural de todo iniciante: procuram-me o Semhor Manuel e a Senhora Honorica. Expuseram as dificuldades da falta de luz, da expectativa pela noite escura, etc. Então eu disse:

- Eu lhes empresto o liquinho.

Enquanto eu pegava e lhe entregava o lampião aceso sobre a botijão pequeno, na rua, Honorica perguntava:
- Aqui ó. E entreguei o lampião.

O Senhor Manuel caiu na gargalhada e disse:
- Liquinho é o lampião, o cachorro é Peposo.
Rimos juntos.

Uma semana depois Honorica encontra-se ao lado da minha esposa, está contando a ela e eu ouço:

- Bia, minha filha, o Manuel trabalhava numa firma lá em Salvador. Aí eu e mamãe estávamos vindo de Governador Valadares para Salvador. Quando paramos numa daquelas rodoviárias no caminho eu desci toda alegre, já tinha tomado umas no caminho, estava feliz... feliz. Mas Bia, minha filha, vi minha vó pela greta. Eu quase apanhei: tinha lá um velho fraquinho, baixinho. Aí veio uma dona fortona, gordona e deu um abração no velho. E a minha maldita boca gritou:

- Tadinho ! Vai matar o coitadinho!

- Pra quê Bia?! Mas o velhinho me olhou com uma cara e desembestou a correr atrás de mim com um treco na mão. Eu sei que eu corri e gritei tanto que nem quis saber se era facão ou revólver. Só sei que eu corri gritando com medo do velho e mamãe veio correndo atrás do velho para ver se podia me defender. Eu corri, corri e só parei quando vi um guarda. Aí eu agarrei o guarda e falei:

- Seu guarda tenha misericórdia! Aquele moço quer me bater...
pequenas passagens, Honorica se aproxima e diz:

- Deoclides, ontem eu quebrei a cara rapaz, vinha eu, o Manuel, o Darci... A gente tinha saído do forró de natal do Matozinhos, aí eu comecei a mexer com uns meninos que brincavam na rua. Eu falava um punhado de abobrinhas e eles ficavam putos de raiva. De repente o chão ficou mais macio, parecia que eu estava pisando em quiabo cozido e plaft! Meti a cara na poça d’agua, enlameei o rosto, a roupa... Aí os meninos:

- Bem feito! Rá... rá... rá...

- Imagine leitor, por estas e por outras que felicidade foi viver lá, no antigo Jardim do Édem, em Ibirité, Minas Gerais!

Doclides Guimarães Filho

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